No ano de 2002, debrucei-me com uma situação inédita em Natal-RN: quatro projetos de shoppings em implantação ao mesmo tempo. Havia um gigante chamado Midway Mall, que assustava até a população por causa de sua magnitude Excelsior. De longe, ofuscava o caminho do mar (Sea Way), passeando pelas dunas da Orla Sul. E, lá no norte da cidade, apontava ao lado do poente o Norte Shopping.
As pessoas já estavam habituadas ao máster Natal Shopping, que possuía DUAS salas de cinema e havia sido o pioneiro dos grandes, mas que surgia após os CCABs Norte e Sul, além do florido Cidade Jardim, segundo campeão em vendas até então. Também já tínhamos o Via Direta e o Dunas Shopping.
Então, para que abrir outro shopping numa cidade tão pequena?
Lembro-me bem que os estudos de mercado apontavam para o insucesso do Midway Mall e indicavam o grande empreendimento que seria o Orla Sul, que foram os atores principais do espetáculo shoppiniano (em homenagem ao Mercador de Veneza, de William Shakespeare). Os outros dois ficaram em segundo plano, porque não teriam tanta importância para “Natal”, já que a Zona Norte estava no auge do crescimento e queria até se emancipar (quer dizer, alguém queria emancipá-la).
Particularmente, precisei buscar justificativas para defender um deles, cujo projeto de viabilidade foi assinado por mim. O mix estava perfeito, contando até com cinema, banco, supermercado, universidade, lojas de grandes marcas nacionais e apoio financeiro de grandes instituições financeiras nacionais. Espaço no mercado havia, pois no Estado tínhamos uma relação de 115 habitantes por metro quadrado de área bruta locável em shoppings, contra 15 hab/m2 nas unidades federativas do RJ, SP e DF. Desta forma, havia espaço para todos os novos entrantes.
No entanto, por que somente o Midway Mall deslanchou até o momento? E por que o Shopping Orla Sul fechou? E por que o Sea Way está naufragando? E por que o Norte Shopping está tão vazio?
Questões como essas me fazem lembrar a obra de Jim Collins, um grande escritor que nos ajuda a compreender por que as empresas vencem e também por que elas são derrotadas. Naturalmente, não posso afirmar sem uma pesquisa mais aprofundada o motivo do insucesso de tais empresas natalenses, tampouco posso revelar as informações que obtive na época dos estudos realizados.
Porém, posso fazer uma analogia com os aspectos destacados por Jim Collins em sua mais recente obra em português (Como as Gigantes Caem), quais sejam: (1) a arrogância que nasce do sucesso; (2) a busca indisciplinada de cada vez mais; (3) é melhor ter fé do que ser otimista; (4) à procura da salvação; e (5) capitulação para a irrelevância ou morte.
Falemos dos cinco estágios em direção à falência que ele destacou em recente apresentação em São Paulo, segundo a revista Exame em seu sítio eletrônico. A primeira coisa que as pessoas fazem quando chegam ao sucesso é se tornar arrogantes, não é mesmo? E o que isso pode trazer de ruim para as empresas? A prepotência do empresário pode levá-lo a achar que o sucesso só dependeu dele, desprezando as outras pessoas e sendo negligente em assuntos importantes. Ele esquece que o sucesso pode se dever à sorte, ao acaso, às bênçãos ou à ajuda de outras pessoas. Em outras palavras: não confie tanto no seu taco, pois existem outros jogadores no time, existem torcidas a favor e contra você, existe um juiz apitando o jogo… e muito mais coisas no mundo além de você, inclusive os concorrentes. É, eles estão vivos e são vivos também. Tenha humildade e deixe de ser o centro das atenções.
Depois, diminua o ritmo dos seus shows. Não adianta comprar um jatinho e sair voando para tudo que é cidade, atendendo a todos os convites ou mesmo se oferecendo para cantar sempre. O empresário deve digerir o sucesso e não cair na lei de Packard, da HP: é mais provável a empresa morrer de indigestão, por excesso de oportunidades, do que de fome. O cuidado básico é manter uma taxa de crescimento que tenha sustentabilidade, sempre contando com as pessoas certas nos lugares certos, levantando os recursos adequados para financiar o crescimento. Quanto às pessoas, o importante é manter no quadro líderes que sejam motivados por prazer e não por recompensas. Elas possuem os valores e a cultura da empresa impregnados na alma, no sangue, não precisam ser gerenciadas o tempo todo e encaram o trabalho como algo maior do que um emprego: uma responsabilidade. Elas cumprem o que prometem, têm maturidade, reconhecem os méritos dos outros e têm paixão pelo que fazem. Em síntese: respeite sua capacidade financeira de crescer e o talento dos seus funcionários. Não confie em promessas de interesseiros.
Agora, tenha fé em Deus e seja menos otimista. É. Isso mesmo. O otimista tem certeza de que tudo vai dar certo em um tempo específico e determinado. Por outro lado, aquele que tem fé confia na vitória, mas não sabe o tempo quando ela virá, e reconhece que algo pode não sair do jeito que ele espera. E ele espera! Procure saber quais são os fatos mais cruéis do seu negócio, fazendo uma autópsia dele e se protegendo dos riscos inerentes. Saiba que os riscos sempre vão existir e que a qualidade da gestão e a maneira de lidar com eles determinará se o barco vai naufragar ou passar pela tempestade. Imagine-se comandando o Titanic tendo assistido o filme antes.
O quarto estágio da caminhada rumo ao insucesso é aquele no qual a empresa está à procura de salvação. As sirenes estão tocando semelhantemente às trombetas usadas para derrubar as muralhas de Jericó. Neste momento, o empresário está usufruindo das consequências da arrogância, da indisciplina e da negligência dos perigos e riscos. Então, busca-se um salvador, aquele que vem de fora e fará milagres pela empresa, já que “os de casa” não o fazem. Segundo Collins, quase nunca isso dá certo, porque se trata de uma atitude indisciplinada. O que se sugere é o resgate da cultura da empresa, sua razão de ser, seus valores e visão. Claro que alguém de fora pode ajudar, mas pelo fato de não conhecer a empresa a fundo, dificilmente conseguirá devolver a disciplina à empresa. Só resta neste momento resgatar o DNA da empresa, buscando a genética do negócio e sua utilidade, assim como faz Peter Leiner em seu modelo de análise empresarial (ver texto Além dos Números). Somente assim conseguirá forças para sair da crise ou, então, cairá no próximo e último estágio.
Para Collins, ainda há salvação para quem está no estágio anterior, mas neste último, só resta o enterro. A esse momento chama-se capitulação para a irrelevância ou morte, aquele momento da despedida, quando nada mais há para fazer, a não ser desligar os aparelhos. É o momento da morte cerebral.
Ele sugere que, para não cair nesse último estágio, além da fundamental estabilidade financeira, deve-se conhecer o que aconteceria com o cliente caso a empresa deixasse de existir, ou seja, do que ele sentiria falta quando partíssemos. Para o especialista, as pessoas certas devem estar no lugar certo, os valores e a coerência devem ser perseguidos e resgatados e, finalmente, olhar para outras coisas além do lucro, evitando a leitura de que ele é a alma do negócio.
E os shoppings, o que tem a ver com isso tudo? Paremos para pensar um pouco: quais foram os shoppings de Natal que deram certo? E quais foram os que deram errado? Por que isso aconteceu?
Pode-se sugerir que o Orla Sul, por exemplo, não deu certo pelo excesso de confiança quando se observou os estudos de viabilidade mercadológica, que indicavam que tudo daria certo. Primeiramente, manteve-se um nome que já havia sido utilizado por uma empresa que tinha fechado pelo menos duas vezes (a antiga concessionária Volkswagen que foi o modelo para a América Latina). Confiou-se muito na marca tradicional e até se afirmava que era mais fácil “limpar” um nome com problemas do que difundir uma nova marca. Aí, deu zebra.
Segundo, o mix previsto de lojas não foi cumprido pelo fato de que os lojistas não confiaram no projeto, nem tinham dinheiro para pagar as luvas, inclusive não foi possível trazer o cinema, o banco e outras grandes marcas. Não acompanhei todos os estágios e, por isso, não posso afirmar nada sobre a busca indisciplinada de cada vez mais, mas acredito que houve excesso de otimismo e a salvação não chegou a tempo. O fato é que agora só restam as Americanas e a UnP, e isso porque dizem que as primeiras se recusaram a sair (fato a confirmar). De certa forma, o salvador foi a própria UnP, que manteve o patrimônio da empresa e não fracassou junto com a idéia do shopping.
O Sea Way, que era vizinho, agiu com arrogância na seleção dos lojistas, dando preferência às empresas experientes e consagradas que, obviamente, não iriam para lá mesmo, devido aos erros do projeto. Ao que parece, já nasceu fadado ao fracasso. Já o Norte Shopping, que está na Zona Norte, parece ter esquecido seu público-alvo: os moradores da Zona Norte. Eles estão acostumados a comprar em lojas de grande movimento, nas quais sentem-se à vontade. A praça da alimentação vive lotada, com música ao vivo, futebol transmitido pela televisão e os tradicionais metros de chopp. No entanto, as pequenas lojas estão amargando a falta de costume do público em comprar em boutiques.
Parece que eles gostam de ficar à vontade, sem nenhum vendedor lhe incomodando, pois a Marisa, o Carrefour e a C&A vivem lotadas. Eu mesmo cansei de ir lá para ouvir música na praça da alimentação e nunca comprei nada. E, acreditem, cansei mesmo. Dói ir pra lá, caminhar por aqueles corredores compridos e vê-los cheios de gente, as lojinhas vazias e os vendedores entristecidos.
Mas o que dizer com relação aos erros cometidos no nascedouro das empresas? Collins estudou os problemas mais comuns que surgem na maturidade, mas existe um brasileiro, chamado Santos, que estudou as causas dos problemas financeiros surgidos no projeto, quais sejam: os efeitos inflacionários sobre fontes e uso de recursos, os incentivos fiscais não realizados, o mau dimensionamento do capital de giro, a alavancagem financeira excessiva, a inadequação do cronograma de reembolso de empréstimos, os fatores ligados à localização, a compra de tecnologia inadequada ou cara demais, a escala de produção mal dimensionada, os preços dos produtos mal projetados, os custos de produção mal calculados, a inconsistência das demonstrações financeiras projetadas, insucessos em projetos integrados e o desbalanceamento dos equipamentos. Alguma semelhança com os shoppings de Natal?
A localização pode ter sido um fator determinante, acompanhado do desbalanceamento dos equipamentos, aqui interpretados como o mix de lojas e o dimensionamento dos espaços reservados aos clientes. Na localização é importante destacar as características do público-alvo, considerando sua forma natural de agir em ambientes de compras. Lembra do Carrefour, que alterou suas práticas no Brasil por causa da nossa cultura nem tanto européia?
Santos também estudou os problemas surgidos na maturidade, que têm mais a ver com a pesquisa de Collins. Fatores como a dependência de um cliente principal, a dependência de um único fornecedor, a renegociação de dívidas mal feita, a relocalização, as modificações no mercado do produto, as alterações no mercado de insumos, a política de vendas equivocada, as oportunidades de crescimento perdidas ou abraçadas com a corda no pescoço, a disfunção gerencial, a influência da família na gestão dos negócios, a excessiva exposição a riscos, a política econômica e a inépcia. Sim, até a inépcia foi catalogada. Ah, você não sabe o que é inépcia? Acredite, significa falta de inteligência, tolice, absurdo. É, por mais inteligentes que todos nós sejamos, existem momentos de inépcia! Sem comentários quantos aos shoppings.
Agora, deparamo-nos com um movimento no setor hospitalar, no qual muitas novidades surgirão nos próximos meses. Só nos resta aguardar.